Quase todas as empresas têm seu propósito — sua razão de ser — muito bem definido. Poucas, porém, tornaram esse propósito uma realidade para suas organizações.
Vejamos a Nokia, por exemplo. Antes do lançamento do iPhone, em 2007, a Nokia era a principal fabricante de telefones móveis e tinha um propósito claramente expresso — “conectar pessoas” — assim como uma estratégia agressiva para manter sua liderança de mercado. Buscando ampliar sua vantagem tecnológica (sobretudo no campo da miniaturização), a empresa adquiriu mais de 100 startups, ao mesmo tempo mantendo um vasto portfólio de projetos de pesquisa e desenvolvimento de produtos. Só em 2006, a Nokia lançou 39 novos modelos de dispositivos móveis. Pouca gente imaginava que esse titã, que brandia com determinação férrea um vasto arsenal de recursos, pudesse ser rapidamente derrubado.
Em retrospecto, parece que era inevitável. A Nokia estava tão concentrada em executar sua estratégia que perdeu de vista seu propósito. Quando Steve Jobs apresentou o primeiro iPhone como “um produto revolucionário, muito mais inteligente do que qualquer dispositivo móvel jamais fora e super fácil de usar”, a Apple começou a “conectar as pessoas” em novos e surpreendentes níveis. O propósito da Nokia havia sido assimilado por outra empresa, o que tornava irrelevantes seus inúmeros pontos fortes. A outrora dominante Nokia logo perdeu grande parte de seu valor de mercado e acabou sendo adquirida pela Microsoft.
A Nokia está longe de ser a única. A história, na verdade, está recheada de casos semelhantes. O comércio da pimenta, por exemplo, foi desestruturado, não por um condimento melhor, mas pelo advento da refrigeração. Praticamente não importava mais se sua cadeia de fornecimento de pimenta era a mais bem planejada e a mais eficientemente administrada, ou se sua clientela era composta pela elite, ou, ainda, se não havia pimenta de melhor qualidade do que a sua. Seu propósito — preservar a comida — havia sido assimilado. Todos os pontos fortes que você se esforçara tanto para desenvolver não tinham mais importância. Atualmente, a TV por radiodifusão e a cabo, o jornalismo impresso, o serviço de táxis e (a longo prazo) a indústria de petróleo e gás estão entre os setores que enfrentam competidores poderosos, determinados a apropriar-se de seus propósitos.
Para proteger a sua empresa no nível do propósito, você deve fazer da estratégia a serva, não a senhora. As estratégias têm limites temporais e visam a resultados específicos. Seu propósito, ao contrário, é o que o torna constantemente relevante para o mundo. A estratégia é apenas um dos vários meios importantes de operacionalizar seu propósito. A conexão humana intrínseca com o seu propósito é ainda mais importante.
A capacidade humana de operacionalizar um propósito é evidente na sublime sinergia tácita de uma grande equipe esportiva, na interação de uma delicada orquestra sinfônica ou na funcionalidade vibrante de uma comunidade saudável. Ainda assim, pouquíssimas empresas se destacam na operacionalização de seu propósito, que é o que organiza o esforço humano em um nível mais profundo. Uma empresa que operacionalizasse por completo seu propósito estaria quintessencialmente em sintonia com o mundo ao seu redor, em marcha contínua rumo à oportunidade, desafiando sistematicamente o óbvio e fazendo, sem a necessidade de palavras, mas ainda assim em sincronia, os diminutos ajustes que cada situação exige. Não podemos citar exemplos puros de tais empresas, uma vez que poucas parecem compreender a importância fundamental de operacionalizar, de verdade, seu propósito. Podemos, no entanto, apontar algumas maneiras de atingir esse objetivo:
Conheça seu propósito. Que empresas alcançaram tal clareza de propósito? A SpaceX chega perto. O empreendedor em série Elon Musk (que conta entre seus negócios a Tesla e, anteriormente, a PayPal) lamentava o lento progresso que a humanidade vinha recentemente fazendo em direção ao espaço e concluiu que o grande empecilho era o custo. “Se alguém conseguir descobrir um modo eficaz de reutilizar foguetes, tal como se faz com aviões, o acesso ao espaço poderia ter seu custo reduzido em cem vezes”, Musk explica no site da SpaceX. Todos na SpaceX sabem que a empresa existe para tornar o espaço radicalmente mais acessível. Esse propósito é maior do que a própria empresa, o que estabelece uma coesão natural, e exige que se pense de forma abrangente, promovendo inovação e progresso.
Para que o seu propósito declarado possua relevância e poder autênticos, ele deve soar verdadeiro não apenas na superfície, mas até a medula. Temos visto empresas que conseguem isso até certo ponto. Na Nestlé, Peter Brabeck-Letmathe introduziu a plataforma de Criação de Valor Compartilhado (CSV, na sigla em inglês) como o modelo de operacionalização para cumprir com os compromissos de Responsabilidade Social Empresarial da Nestlé. Orientado por Michael Porter, professor de Harvard, Brabeck-Letmathe envolveu a companhia na criação da “pirâmide CSV”, com três grandes ambições: (1) propiciar vidas mais saudáveis e felizes (focando em nutrição, água e desenvolvimento rural); (2) desenvolver comunidades prósperas e resilientes (focando na sustentabilidade); e (3) administrar recursos para as próximas gerações (procurando evitar que as operações da empresa causem qualquer impacto ambiental). Como Brabeck-Letmathe declarou no relatório CSV de 2016, que quantifica o progresso anual da empresa no que diz respeito a um conjunto abrangente de importantes indicadores de desempenho: “A Criação de Valor Compartilhado é nossa forma de produzir impacto positivo duradouro para nossos acionistas e para a sociedade por meio de tudo que fazemos como empresa.”
Busque o meio-termo. À medida em que assimilam e internalizam o propósito da empresa, seus funcionários vão se sentir, muitas vezes, incapazes de decidir entre as opções com que se depararão. No entanto, não se podem fazer concessões quando se trata do propósito. Em vez disso, esse é o momento de buscar o meio-termo. Na filosofia aristotélica, meio-termo é o almejado ponto médio entre os extremos do excesso e da deficiência. Em se tratando de operacionalização, isso significa que o foco deve recair mais sobre o “e” do que sobre o “ou”. Por exemplo, construção de ativos e dividendos mais altos; desempenho a longo prazo e dinheiro rápido; empatia e autoridade. Paul Polman, CEO da Unilever, por exemplo, estava superando aquela mentalidade de concessões quando nos disse: “Constatamos que a sustentabilidade estimula o crescimento, corta gastos, reduz riscos e nos ajuda a servir um grande número de partes interessadas.”
Desenvolva plasticidade empresarial. A plasticidade empresarial consiste na capacidade de colaborar com vistas a um objetivo comum e de se reconfigurar rapidamente para enfrentar novos desafios. Isso é, sem dúvida, essencial para que se possa operacionalizar o propósito no mundo real, cujas condições estão em constante mudança e onde as ações de cada pessoa podem ter consequências tanto intencionais quanto involuntárias. É preciso que os líderes cultivem ativamente a plasticidade, deixando as pessoas livres para se guiarem não apenas por ditames administrativos, mas também pela clareza de propósito da empresa. Jorgen Vig Knudstorp, o CEO que revitalizou a marca Lego, costumava dizer a seus funcionários, “Obrigado por fazer tudo que eu nunca lhes pedi que fizessem.”
Conduza ativamente a operacionalização. Liderança pessoal é imprescindível quando se trata de operacionalizar seu propósito. Você deve expressar, com coerência e autenticidade, uma ambição externa inspiradora e ser o principal arquiteto de um plano-mestre que motive a participação e a cooperação de toda sua empresa. Além disso, deve proporcionar ao seu pessoal todos os meios necessários para a realização do propósito comum. Muito se exige de você e de sua empresa para que seu propósito se torne realidade. E não há nada mais fundamental do que o seu sucesso.
Autores: Laurent Chevreux, Jose Lopez e Xavier Mesnard
Revista Harvard Busines