O processo de sucessão é ainda mais complicado em empresas familiares. E o caminho para um final feliz pode estar tanto na psicanálise quanto nas boas práticas administrativas.

Quando pensou no futuro da Dudalina, empresa que fundou um tanto acidentalmente, fruto de uma compra excessiva de tecidos, em 1957, Adelina Hess viu que ele, o futuro, era bom. Mas só se a empresa sobrevivesse à própria família. É que a fundadora teve 16 filhos, e ela intuía que o dia em que os filhos de seus filhos chegassem ao comando seriam dezenas e dezenas de acionistas a exigir seu quinhão do negócio. A confecção poderia não resistir.

Embora existam diversas empresas familiares brasileiras que tenham conduzido habilmente seus processos de sucessão – o Grupo Votorantim é o grande exemplo – ainda viceja certo apego um tanto irracional ao negócio, como se a gestão profissional não tivesse condições de fazê-lo crescer. É como se o proprietário fosse insubstituível. “Muitos donos de empresas familiares ainda carecem de uma visão mais madura sobre sucessão. Quando decidem chamar um gestor do mercado, podem acabar até criando conflitos com ele”, diz Marcelo Apovian, da consultoria Signium.

Para a advogada Renata Mei Hsu Guimarães, que atua com sucessão há mais de 20 anos, o cenário, contudo, é de mudança. “O Brasil não está na vanguarda desse tipo de gestão, mas há cada vez mais instrumentos com foco em sucessão e profissionais versados em boas práticas de governança.” E completa:  “É crescente a preocupação com a melhor formação dos sucessores, herdeiros descendentes ou não, que muitas vezes se iniciam no chão da fábrica e percorrem todas as unidades de negócio”.

Uma pesquisa da consultoria EY, feita ano passado no Brasil e em outros 49 países, buscou radiografar como são as empresas familiares. Após entrevistas com executivos dessas companhias, soube-se que 19% delas no Brasil possuem um plano de sucessão “documentado e comunicado”, número maior que a média mundial, de 15%. E 93% têm ao menos um procedimento implantado para lidar com conflitos de família (contra 82% da média global). Uma cartilha produzida pela Comissão de Empresas de Controle Familiar do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) também é útil para quem quer entender o segmento. Uma passagem diz: “Os desafios das empresas familiares são, em muitos aspectos, os mesmos enfrentados por qualquer tipo de empresa.

Uma das diferenças é que as últimas podem substituir imediatamente seus gestores. Nas familiares, as substituições tendem a ser mais complexas quando os cargos de gestão são ocupados por membros da família (ou por pessoas próximas)”. Com efeito, o adjetivo “complexo” parece muito apropriado na frase. É que, transformado em substantivo, ele lança pontes para o vocabulário da psicanálise, campo onde podem estar as chaves para a solução de muitos conflitos sucessórios. “O que fazer com a mãe que viu seu filho ser preterido ou com a esposa que acha que só o marido dela trabalha? Elas podem pôr tudo a perder”, disse a PODER Sandra Papaiz, ex-presidente da Papaiz, empresa de fechaduras fundada por seu pai, Luigi. “Para mim, o problema nas empresas familiares é o ser humano, e a solução está mais na psicanálise do que na administração”, completa. Sandra viveu na pele o drama de uma sucessão problemática. Seu pai jamais a viu como sua substituta, mesmo sendo ela a primogênita. Na verdade, ele não se preocupou em preparar nenhum dos filhos até sua morte, aos 79 anos, em 2003. Sandra vendeu a divisão industrial da Papaiz ao grupo sueco Assa Abloy. Hoje, a família tem negócios na área agropecuária e imobiliária, mas a executiva preferiu ficar fora do dia a dia e do conselho de administração da empresa.

Para Monika Conrads, do  IBGC, sucessão é um processo, não um evento. “E, para que seja feita com eficiência, às vezes é preciso preparar sucessor e sucedido”, diz. No caso do sucessor, segundo Monika, o candidato tem de ter formação adequada, interesse e vontade de galgar posições. Pode ser útil também que venha de uma carreira vivida fora do negócio da família. Já no caso de quem está para ser sucedido, especialmente se for o fundador da empresa, é de bom-tom não imaginar que vá “abrir mão de suas habilidades e ficar em casa, de pijama”.

PARA OUTRO LADO

É justamente sobre a figura de quem está por passar o bastão que o psicanalista Claudio Rossi, de São Paulo, acha importante se debruçar. “Partindo do princípio que o dono de uma empresa esteja interessado em transferir o controle, quando começa a dificultar o processo é porque está em conflito. Quer, mas não quer”, disse a PODER. A partir daí ele sugere que se entenda a natureza desse conflito, que pode ter razões “realistas ou inconscientes”. Segundo Rossi, no primeiro caso, ao constatar que os sucessores “são acomodados, indisciplinados, pouco perspicazes ou indecisos”, deve-se “prepará-los ou ajudá-los a demonstrar que são capazes”.  Mas se a natureza do conflito é inconsciente, argumentos racionais não têm valia. Aqui entra o trabalho analítico para, “uma vez compreendidas as emoções em jogo”, o sucedido tenha “mais condições de avaliar seus sucessores e reconhecer suas competências, assim como ajudá-los a se desenvolver”.

O consultor, headhunter e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Luiz Carlos Cabrera levanta ponto ainda não tratado na discussão, mas muito relevante: o direito de escolha do filho. Nem sempre o sucessor idealizado tem interesse ou vocação para tocar o negócio da família.

(Por Paulo Vieira para a revista Poder de abril)

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