Autor: Joseph Grenny – esteve quatro vezes na lista de autores mais vendidos do New York Times. É palestrante e emérito cientista social na área de desempenho empresarial. Suas obras foram traduzidas para mais de 28 idiomas, estão disponíveis em 36 países e geraram resultados para 300 empresas da Fortune 500. É cofundador da VitalSmarts, inovadora em treinamento corporativo e desenvolvimento de lideranças.
Publicação: Revista Harvard Business
Certa vez fiz parte da diretoria de uma organização sem fins lucrativos com um grupo de homens e mulheres que eu admirava profundamente. As reuniões da diretoria eram uma alegria sem fim. Mesmo as longas áudio conferências eram oportunidades para compartilhamento de informações espontaneamente, vínculo pessoal e solução de problemas de maneira produtiva. Era como Camelot. Até que deixou de ser.
Conforme a composição da diretoria mudou, minha experiência também se alterou. A diretoria ficou maior. Grandes doadores passaram a ter assento — trazendo relações importantes e recursos, assim como egos e politicagem. Quando um loquaz membro da diretoria começou a discursar sobre si em detalhes angustiantes, os demais viraram os olhos e voltaram-se para seus computadores. Quando os ricos e poderosos fizeram piadas auto referenciais toscas, membros da equipe executiva deram risada muito alto e por muito tempo. As decisões refletiam quem dizia tanto quanto o que era dito. Notei que eu estava evitando jantares e outros eventos sociais e até mesmo falando mal, fora das reuniões, daquela experiência decadente.
Somente após alguns anos naquela derrocada, percebi que eu era tão culpado por aquela mudança quanto qualquer outra pessoa. Inúmeros artigos sobre gestão — inclusive alguns que eu mesmo escrevi — são usados para consolar aqueles atormentados pelo mal comportamento dos demais. Autores convidam leitores a ler um artigo que apresenta um tácito conluio: descrever alguns patifes e depois partilhar conselhos de como “consertá-los”. A opinião velada é que você e eu somos pessoas muito boas — se ao menos pudéssemos descobrir uma maneira de lidar com a ralé.
Bem, não tenho nada disso para você. Nos 30 anos envolto com empresas, pude observar que aqueles que passam mais tempo maldizendo a escuridão, dificilmente estarão segurando a vela.
Eu certamente não estava ajudando a melhorar a situação da diretoria da qual fazia parte. Como “especialista” empresarial, eu era versado na enumeração de suas disfunções — podia catalogar a crescente evidência de conflitos velados por status, poder e recursos.
- Construção de status. Eu me encolhia encabulado quando as pessoas falavam e agiam com o intuito de acumular respeito em vez de desenvolver o empreendimento. Por exemplo: um membro da diretoria que estava atrasado passava oito minutos explicando como seu atraso era uma consequência inevitável dos múltiplos “eventos” ao quais teve de comparecer naquela manhã.
- Demonstração de poder. Quando um colega fazia referência mais a quem apoiava uma ideia do que a por que aquela ideia estava alinhada à nossa missão, eu me indignava. Não muito diferente de declarar: “Tony Stark acha que devemos olhar mais para a África Oriental como nossa próxima área”.
- Competição de recursos. Sentia-me nauseado quando decisões orçamentárias transformavam-se em testes de fidelidade. “Você prefere o plano apresentado pela Lynda sobre as dívidas ou o fundo de investimento do Cal?”.
Poder, personalidade e prestígio avultavam-se, ao passo que nossa missão desaparecia no retrovisor. Há 50 anos, o psicólogo corporativo nascido na Áustria, Fred Fiedler fez uma descoberta fascinante. Ele conduziu uma pesquisa com empregados em que pedia que eles descrevessem o “colega de quem menos gostavam” em escalas que contavam com termos que iam desde “hostil” até “solidário” e de “falso” a “sincero”, por exemplo. Algumas pessoas zombaram do colega de quem menos gostavam fazendo uso de todos os adjetivos desagradáveis que encontraram; já outros valeram-se de um ponto de vista mais brando e moderado. A surpresa surgiu com o fato de Fielder descobrir que a magnitude da crítica dizia mais sobre o entrevistado do que sobre seu colega. Até hoje, a pesquisa do “colega de quem menos gosto” é uma maneira confiável de fazer com que profissionais irritadiços involuntariamente se mostrem como sendo aqueles com que se é mais difícil se relacionar.
O que Fiedler deixa claro — e que ficou óbvio para mim em minha experiência em diretorias — é que tem a ver menos com o que as outras pessoas estão fazendo e mais com a maneira como você responde. As políticas do escritório são reais e perigosas. Assim como provavelmente existe valor nos julgamentos daqueles que criticam duramente os colegas, também é verdade que o poder político nas empresas pode ser um entrave, fazer com que as decisões tomadas sejam niveladas por baixo e prejudicar carreiras. O que quero dizer é que são suas respostas para as maquinações, sejam elas intuídas ou verdadeiras, que amplificam ou atenuam estas disfunções.
Responder com integridade em vez de cumplicidade — sendo honesto e se comunicando de maneira clara e direta — ajuda-o tanto a observar como a deixar de ser o parte do problema.
O princípio da sinceridade
A politicagem baseia-se na suposição da desconfiança. Por exemplo, um membro da diretoria faz ligações antes da reunião para recrutar dois membros amigos para seu lado sobre determinado assunto. Observo como eles parecem estar em sintonia durante a reunião e suspeito que pode ter havido uma conspiração. Depois daquela reunião, peço que outro membro da diretoria me acompanhe para uma conversa enquanto tomamos um café. Durante nossa discussão, dizemos o que realmente achamos a respeito do que aconteceu na reunião e nos preparamos secretamente para a próxima.
Note que este tipo de política no trabalho prospera no segredo. Podemos diminuir, se não eliminar, práticas mesquinhas praticando habilmente uma sinceridade livre de culpa, uma vez que o egoísmo e a manipulação, princípios básicos da politicagem, não suportam transparência.
Imagine se quando eu chegar atrasado para um reunião, disser: “Vou agora dizer em detalhes quanto dinheiro fiz essa manhã em uma tentativa de fazer com que pensem que sou mais importante do que vocês”. Minha manipulação perderia seu efeito.
O modo de garantir que sua sinceridade não vem acompanhada de culpa é colocá-la em prática, não se aproveitar dela. Quando você faz disso um hábito — examinando e expondo suas próprias razões —, torna-se uma prática primeiro para você e depois para os demais.
A volta a Camelot
Alguns dos comportamentos mais ligados à politicagem em nossa diretoria deviam-se às preocupações com o presidente. Os funcionários eram abertamente amistosos mas, em particular, mostravam-se raivosos em relação a algumas de suas atitudes. Outros membros da diretoria faziam lobby e fofocas fora das reuniões como alternativas para as fraquezas dele. Toda a estratagema era justificada com alusões às conexões que o presidente da diretoria tinha com doadores importantes. E eu entrei naquele jogo. No fim, olhei no espelho e percebi que meu comportamento era idêntico ao daqueles que eu via como inferiores morais. Assim, engoli em seco, arrisquei me valer da sinceridade livre de culpa, e fiz as seguintes mudanças:
- Fale com o coração.
Examinei minhas próprias razões. Perguntei-me: “O que minhas atitudes dizem que eu quero?” e “O que quero realmente?”. Meu comportamento demonstrava que meu ego, minha reputação e minha posição haviam se tornado mais importantes do que nossa missão. Resolvi mudar aquilo. Queria ser uma pessoa que eu admirasse e que contribuísse com uma missão que eu amava. Todas as outras considerações eram secundárias.
- Deixe o conluio de lado.
Primeiro, aboli todas as minhas tácitas conspirações com funcionários e membros da diretoria. Expliquei-lhes que não gostava do modo como me comportara e que queria ser sincero com o presidente acerca de minhas preocupações. Pedi permissão para citá-los. Quando não me deram, afirmei que ainda assim tinha a intenção de compartilhar anonimamente feedback acumulado, incluindo pontos de vista que eles pudessem ter partilhado comigo. Garanti a permanência de meu novo compromisso declarando que minha nova regra seria: “Se você me contar, saiba que vou usar”. Não participaria mais de conversas em que não houvesse prestações de conta.
Depois, me abri com o presidente. Tive uma reunião individual e pedi permissão para compartilhar alguns feedbacks difíceis. Hesitante, ele me deu seu consentimento. Descrevi os comportamentos que acreditava estarem minando nossa missão e nossa saúde. Expressei sincera gratidão por sua influência em nossa incumbência, e conclui dando minha opinião de que uma profunda evidência da primazia de seu comprometimento com nossa missão sobre seu ego seria sua demissão. Senti-me nauseado conforme comecei a falar, mas passei a ficar mais confiante à medida que me realinhava às minhas convicções.
- Apropie-se da reunião.
Minha nova regra em nossas reuniões passou a ser: “Se estou fazendo alguma coisa, vou colocar em discussão”. Em outras palavras, se pensamentos, opiniões ou sentimentos escusos começarem a parecer em meu comportamento, farei um exame de consciência e falarei sobre isso abertamente. Passei a agir como se fosse um coautor de nossas reuniões e não uma vítima delas. Quando membros da diretoria levavam-nos por uma tangente, eu chamava a atenção para o que estava acontecendo e perguntava educadamente se o grupo gostaria de voltar ao assunto. Quando parecia que estávamos rodeando um assunto sensível, encontrava uma maneira diplomática de chamar a atenção para a tergiversação. Algumas vezes as pessoas discordavam de minhas observações e a reunião seguia seu curso. Mas, com mais frequência, outros apoiavam meu comentário como se tivessem sofrido calados anteriormente.
As coisas ficaram muito melhor. O presidente se demitiu. Mas nossa antiga cordialidade deu lugar a uma rigidez fria. Não era exatamente Camelot novamente; porém, a empresa começou a tomar atitudes arrojadas em uma direção muito mais alinhada à nossa missão. Voltei a me sentir envolvido com nossa missão, assim como outras pessoas.
Tornamo-nos cúmplices do ambiente político que abominamos quando participamos dele em vez de confrontá-lo. O primeiro passo para enfrentar as politicagens do escritório é a auto avaliação. Não se pode esperar que uma empresa atue em um nível moral mais alto do que aquele que você demonstra.
—————————————————————————————–
Tradução: Camilo Adorno