A mudança pode ser uma faca de dois gumes, extremamente bem-vinda por uns e duramente combatida por outros. Historicamente, as mudanças radicais cobram um alto preço, mas os efeitos em longo prazo podem ser profundos. A libertação da Índia do domínio britânico, o movimento de Direitos Civis na América e a abolição do Apartheid na África do Sul vieram depois de uma resistência sangrenta e só tiveram sucesso por causa da liderança exemplar de visionários como Mahatma Gandhi, Martin Luther King e Nelson Mandela.
As mudanças positivas na mão de obra e no mercado de trabalho também tiveram um preço, depois de décadas de esforços para mudar a legislação e melhorar as condições de trabalho e os salários para homens e mulheres no mundo todo. Essas mudanças cruciais na sociedade são um processo contínuo, que demanda alterações profundas e duradouras de mentalidade, atitude e comportamento.
A mudança é indiscutível
A coisa não é muito diferente quando falamos de mudança organizacional. No fim das contas, trata-se de sobrevivência. No frenético ambiente comercial atual, as empresas devem abraçar a mudança ou perderão sua margem competitiva e não atenderão às necessidades de uma base cada vez maior de clientes.
Hoje, a mudança é dirigida por muitos fatores: economia, tecnologia e digitalização do negócio, necessidades e expectativas do cliente e novas oportunidades de crescimento resultantes da inovação. As empresas que se mantêm bem-sucedidas e relevantes por décadas, e até por séculos, são as que entendem que prever o futuro é criá-lo. E isso significa motivar e inspirar os colaboradores a mudarem, mesmo que às vezes o processo seja doloroso ou difícil.
Em um mundo em constante turbulência, a indústria química tem sido bastante afetada por forças perturbadoras. Considerando um cenário de mudanças climáticas, reduzidos recursos naturais, preocupações ambientais e o papel da tecnologia em todos os aspectos da indústria, de engenharia genética ao impacto da Internet das Coisas e Indústria 4.0, as empresas químicas estão sob pressão para mudar, e mudar rápido.
Programa de Excelência para a América do Sul (SAEP)
A BASF existe há 150 anos e está presente na América do Sul há 107 anos. A empresa está perfeitamente ciente das mudanças cíclicas e dos desafios econômicos na região. Os objetivos em longo prazo continuam os mesmos e o papel dos produtos químicos está se tornando mais importante em nossa sociedade atual e futura. A BASF investiu pesado em unidades produtivas e infraestrutura no Brasil, reforçando nossa crença no potencial da região e em sua importância para o negócio global da BASF. Por exemplo, nosso investimento de 500 milhões de euros no Complexo Acrílico no Brasil, para produzir ácido acrílico e polímeros superabsorventes para os mercados local e global, é o maior investimento feito pela empresa até hoje na América Latina. Também adquirimos a Global Chemetall, inclusive sua fábrica em Jundiaí, com um investimento de 2,8 bilhões de euros. A aquisição dessa líder de tecnologia altamente inovadora em tratamento de superfície ajudou a BASF a se consolidar ainda mais na liderança do mercado de tinta automotiva.
Porém, nenhum desses investimentos vai gerar frutos se as pessoas não assumirem um compromisso com a jornada. Em 2014 já estava claro que seria necessária uma cuidadosa gestão de mudança para enfrentar os desafios que estavam por vir. O maior desafio era criar uma mudança de paradigma no fluxo de ideias na empresa. Percebemos que as pessoas não compram o que fazemos: elas compram porque fazemos! Por que investimos na Global Chemetall? Investimos porque um melhor tratamento da superfície de metais é melhor para o meio ambiente. Devemos ajudar os colaboradores a criarem um vínculo emocional com nosso propósito e entenderem seu papel em nossa longa jornada de crescimento. Queremos crescer de forma sustentável e responsável, e cada pessoa na empresa contribui com essa meta.
Para ajudar os líderes e colaboradores a criarem e orientarem esses vínculos, lançamos o Programa de Excelência para a América do Sul (SAEP) para alcançar a excelência em quatro categorias: Marketing e Vendas, Excelência em Operações, Excelência em Funções e Estrutura Organizacional.
A meta era ter uma estrutura organizacional mais enxuta, com menos níveis hierárquicos e menor extensão de controle e, ao mesmo tempo, economizar custos funcionais e operacionais.
Criamos o Programa de Excelência para a América do Sul (SAEP) com base em dois pilares: eficiência que busca reduzir a complexidade e melhorar os processos internos para economizar custos, e eficácia em relação ao impacto em nossa percepção de cliente e de mercado.
Desde o início ficou claro que, para ter sucesso, seria necessário o envolvimento de todos os colaboradores, em todos os níveis da organização.
Foi criado um programa que aborda cinco linhas de pensamento: Foco no cliente, Atitude de dono, Espírito de equipe, Pessoas e excelência na execução.
Vivendo os cinco comportamentos
As equipes de comunicação e gestão da mudança trabalharam lado a lado para conduzir a mudança cultural com programas dedicados para líderes, colaboradores e trabalhadores da produção. Eventos, almoços, vídeos, webcasts, boletins informativos e redes de agente de mudança – todos fizeram parte da equação.
Uma iniciativa popular foi o programa “Lunch and Learn”, um grande fórum de interação e demonstração do espírito de equipe. Nesse programa, os colaboradores de todos os níveis da empresa inscreveram-se para participar das conversas com líderes para trocar ideias e discutir novas formas de fazer o trabalho.
Outro programa popular para sustentar a cultura de excelência é o “Eu + Líder”. Os colaboradores podem participar anonimamente dessa pesquisa de liderança para identificar e reconhecer líderes, além de dar feedback sobre os líderes que eles acham que estão fazendo a coisa certa. A taxa de participação em toda a empresa foi de 75% e, trabalhando com grupos focais, criamos uma versão melhorada da pesquisa para 2017, que inclui um foco ainda maior na gerência.
Programas como esse permitiram incorporar a excelência ao DNA da empresa. Qualquer colaborador pode se tornar um agente de mudança e um embaixador da excelência com foco no cliente, enquanto qualquer líder pode gerenciar e apoiar suas equipes para que realizem as metas e alcancem os resultados.
A mudança na mentalidade pode começar com algumas perguntas muito simples. Pense nas seguintes situações:
Foi uma longa semana no escritório. São 18 horas de uma sexta-feira. Você está saindo para jantar e passar um merecido tempo com sua família. O telefone toca. Você atende, mesmo sabendo muito bem que pode ser um cliente com um problema, ou você vai embora?
Ou imagine que você é um funcionário da fábrica e seu turno acabou. Você está quase saindo e percebe que um tanque no chão de fábrica está vazio. Você vai embora ou para e enche o tanque, mesmo que isso signifique sair 20 minutos mais tarde?
Uma pergunta dessas, que nos faz pensar, pode levar à autorreflexão e a alguma mudança. Mas é preciso mais para mudar a mentalidade de equipes inteiras, espalhadas em várias fábricas, chãos de fábrica, laboratórios, escritórios, centros de distribuição e outros lugares.
Passando a mensagem
É preciso um grupo de heróis para fazer a mudança acontecer. Os heróis podem ser encontrados em toda a empresa, do chão de fábrica à equipe de gerência. As histórias sobre heróis e modelos podem inspirar as pessoas a mudarem seu comportamento. Por isso a equipe de comunicação introduziu o divisor de águas da BASF, uma equipe fictícia que tem sua história contada no formato de quadrinhos.
A cada episódio, esse grupo deve tomar decisões e assumir a responsabilidade por manter o equipamento, cumprir prazos e garantir a qualidade do produto, trabalhando como uma equipe.
Alguns podem achar que usar quadrinhos nas comunicações corporativas pode ser um risco, mas há muitos benefícios. O poder dos quadrinhos já foi testado. O leitor não precisa de palavras para entender a história e as imagens podem transmitir as emoções mais profundas da forma mais simples. As imagens também podem apresentar um contexto que todos podem interpretar com uma simples olhada, sem necessidade de longas explicações ou descrições. Os quadrinhos são uma linguagem universal que todos entendem instintivamente. Tem forma melhor de abordar questões sensíveis e ensinar lições sem apontar o dedo?
A recompensa
Esse método inovador de comunicação usado com os operários, por exemplo, tem ajudado as pessoas a conscientemente assumirem a propriedade de suas ações. Na realidade, depois de apenas um ano, os resultados do Programa de Excelência para a América do Sul são incríveis, como por exemplo:
Com a iniciativa Housekeeping fechamos o ano com o menor nível histórico de itens em atraso de 2,6% superando a meta de 5%no início do programa.
- Os projetos de Excelência em Marketing e Vendas entregaram resultados muito positivos em margem de contribuição consolidada os negócios.
- Com a Campanha de vendas, boa parte da força de vendas superou suas metas.
- O time de Customer Care melhorou a confiabilidade das entregas na região atingindo 91%, com aumento acumulado de 11% no ano de 2016.
- Excelência em operações os resultados acumulados em 2016 da gestão eficiente de materiais, energia e resíduos foram extremamente positivos para a empresa trazendo economia na ordem de milhões de euros.
- NA área de Compras o ganho acumulado advindo da negociação de contratos de serviços e materiais superou a meta.
Liderando a mudança
Os gerentes também têm um papel importante. Carlos Roberto Ferreira é responsável pela produção da marca de tintas Suvinil, liderando uma equipe de 120 pessoas.
Segundo ele, “o trabalho em equipe faz toda a diferença para alcançar resultados”. “Incentivo minha equipe a pensar em seus planos de desenvolvimento como um legado pessoal. O reconhecimento não se resume a um aumento de salário ou uma promoção, que só podem ser dados periodicamente. O reconhecimento tem a ver com trazer seu pessoal para as reuniões de liderança e gerência, onde eles podem ser elogiados pessoalmente por um trabalho bem feito, estabelecer em conjunto as metas, ou assumir responsabilidade por mais ações. As pessoas que os superiores na organização reconhecem, fora da equipe, estão mais aptas a assumir desafios maiores com mais segurança. Agora mesmo, estamos implementando a Gestão Enxuta para aumentar a capacidade e a produtividade, sem precisar de investimentos adicionais”.
Perpetuum mobile
A gestão de mudança tem a ver com um fluxo constante. Trata-se de pessoas em movimento constante para se melhorarem cada vez mais e, então, melhorar a forma como o negócio é feito.
Uma boa gestão de mudança requer uma combinação de fatores hard, que são fáceis de medir, como tempo para finalização, pessoas envolvidas e metas alcançadas, com fatores soft, como cultura, liderança e motivação, que são difíceis de mapear e medir.
O céu é o limite
Em dois anos do Programa de Excelência para a América do Sul, aprendemos algumas lições. Criar a mudança em uma empresa tão grande e bem estabelecida quanto a BASF é como manobrar um transatlântico. Todos precisam estar alinhados e totalmente focados, e estamos chegando lá quando todos lutamos pela excelência.
Por exemplo, desde a nossa decisão de embarcar nessa jornada de mudança em janeiro de 2015, realizamos duas grandes proezas: não só sobrevivemos à crise financeira e política na região, mas também conseguimos criar a cultura da excelência. Como resultado direto de nossos esforços, a BASF hoje é a segunda melhor empresa para se trabalhar no setor químico na região.
O Relatório Anual de 2016 da BASF confirma que o SAEP tem tido um impacto considerável. Além de nosso próprio Prêmio de Excelência, a BASF ganhou diversos prêmios na América do Sul, de 150 Melhores Empresas para se Trabalhar a América Latina Verde, de Inovação de Valor a Ética nos Negócios. Esse sucesso não seria possível sem líderes dedicados e colaboradores envolvidos em todos os níveis do negócio. Com a cultura de excelência e empoderamento, a equipe sul-americana da BASF amadureceu e se tornou um grupo unido e ambicioso de colaboradores confiantes e comprometidos.
Autor: Ralph Schweens
Revista Harvard Business