Autor: Shawn Burton; é diretor jurídico da unidade GE Aviation e das unidades General Aviation and Integrated Systems. Foi diretor jurídico das unidades GE Aviation Digital e Avionics.

Publicação: Revista Harvard Business

Como você chamaria um contrato denso, excessivamente longo, carregado de jargão legal e compreensível apenas por advogados? Status quo. Geralmente os contratos utilizados nos negócios são longos, mal estruturados e cheios de linguagem desnecessária e incompreensível.

Há alguma razão prática para isso? Para que um acordo seja legalmente válido, são realmente necessárias páginas e páginas de definições; palavras como “adjudicação”, “sem embargo”, “retrocitado” e “força maior”; e expressões como “não obstante qualquer coisa em contrário aqui contida”, “sujeito ao acima exposto” e “incluindo, mas de modo algum limitado a”? Há algum valor contraintuitivo na inútil linguagem padronizada? Para ser digno de assinatura, os contratos precisam realmente de sequências com 15 sinônimos; frases em letras maiúsculas, em itálico e em negrito que abrangem várias páginas; frases difíceis que contêm inúmeros pontos e vírgulas; e gramática desatualizada? A resposta é um retumbante não.

Contratos não deveriam exigir inúmeras horas de negociação. Líderes empresariais não precisariam chamar advogado para interpretar um acordo que eles mesmos devem gerir. Viveríamos num mundo onde os contratos seriam escritos em linguagem acessível — onde potenciais parceiros de negócio, durante almoços breves e sem seus advogados, leriam, entenderiam e se sentiriam confortáveis assinando contratos. Um mundo onde as disputas causadas pela ambiguidade desapareceriam.

Pode parecer improvável. No entanto, acredito que seja realmente possível — como demonstrou uma iniciativa de mais de três anos para promover contratos com linguagem clara na unidade de serviços digitais da GE Aviation. Desde 2014, quando começou a iniciativa, essa unidade assinou mais de cem contratos assim.Esses acordos levaram 60% menos tempo para ser negociados do que as versões anteriores cheias de juridiquês. Alguns clientes chegaram a assinar contratos em linguagem simples sem uma única alteração. O feedback do cliente foi universalmente positivo, e nenhum cliente questionou a redação de contratos em linguagem simples.

Para ficar claro, não estou falando de acordos “simplificados”, com menos palavras, títulos melhores e fontes mais limpas. Estou falando de contratos que um aluno do ensino médio poderia entender sem nenhum contexto ou explicação. Como disse Robert Eagleson, especialista no assunto, a linguagem clara “permite que a mensagem seja absorvida com mais facilidade”.

Contratos em linguagem clara não é novidade. É um movimento que começou há muitos anos e, talvez surpreendentemente, avançou inicialmente no governo dos Estados Unidos. Em 1972, o presidente Nixon ordenou que “termos leigos” fossem usados no Federal Register. Seis anos depois, o presidente Carter emitiu uma ordem executiva estipulando que os regulamentos governamentais deveriam ser “tão simples e claros quanto possível”. Em 1998, o governo Clinton deu um passo além, obrigando expressamente as agências federais a usar inglês simples. Nesse mesmo ano, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos publicou o Plain English Handbook (Manual do Inglês Simples) para os responsáveis pela redação de documentos de divulgação de informações de segurança. Ainda é usado hoje. Em 2010, o Congresso dos EUA passou e o presidente Obama assinou o Plain Writing Act (Ato pela Escrita Clara), com o propósito declarado de “promover comunicação clara do governo que o público possa entender e usar”. Como observou o administrador da Agência de Informação e Assuntos Regulatórios de Obama: “Linguagem clara pode fazer uma grande diferença”, pois gera economia de dinheiro e torna “muito mais fácil para as pessoas entender o que lhes é pedido”. A agência, que era responsável pela administração da lei, emitiu uma orientação que ainda está em vigor, sobre clareza na linguagem.

No setor privado, a linguagem clara economizou tempo e dinheiro de muitas empresas. Em seu livro Writing for dollars, writing to please: the case for plain language in business, government, and law, Joseph Kimble cita algumas delas. A Cleveland Clinic, por exemplo, após simplificar suas contas em 2008, obteve aumento significativo nos pagamentos dos pacientes e conseguiu recuperar US$ 1 milhão por mês. E quando a Sabre Travelar introduziu diretrizes escritas para ajudar os clientes a instalar seu sistema computadorizado de informações de voo, as chamadas anuais para o apoio ao cliente da Saber caíram 70%, gerando economia de mais de US$ 2,4 milhões. Mas, apesar desses sucessos, o mundo corporativo tem adotado lentamente a linguagem simples.

O desafio dos negócios

Em 2013, fui nomeado diretor jurídico da unidade de serviços digitais da GE Aviation. Eu era responsável pela gestão das atividades legais da unidade, incluindo contratação, com o apoio do departamento jurídico da Aviation. Pouco antes de assumir esse cargo, a GE Aviation consolidara três empresas de serviços digitais distintas que havia adquirido, e todas realizavam análise de dados para identificar maneiras de otimizar as operações dos clientes. Os líderes designados para gerir o negócio recém-fundado tentavam fazê-lo crescer e formaram uma equipe para isso.

A velocidade de lançamento era fundamental. A estratégia de negócios da equipe era sólida, mas, à medida que os membros começaram a executá-la, encontraram um obstáculo: a complexidade dos contratos fazia com que as negociações se arrastassem durante meses, frustrando clientes potenciais. Em vez de buscar novas oportunidades, capturar novos negócios e oferecer soluções digitais de classe mundial, a equipe de vendas passava a maior parte do tempo discutindo uma linguagem contratual arcaica.

Embora vendessem serviços muito similares, as três empresas tinham seus próprios contratos, um legado de seus dias pré-GE. Havia sete contratos no total. O número de páginas era 25 em média, o mais longo tinha 54. Eles incluíam cláusulas extensas (que explicam os motivos — às vezes com detalhes excruciantes e desnecessários — pelos quais as partes assinam o contrato) e definições longuíssimas. Um contrato continha 33 definições que abrangiam duas páginas. Cada contrato tinha estrutura única e usava linguagem distinta. Esses documentos tinham apenas uma coisa em comum: nenhum deles usava linguagem simples — estavam impregnados de jargão legal e complexidade.

Minha cabeça girava enquanto eu lia cada acordo. Eu me sentia como um desconcertado Dilbert, personagem dos quadrinhos: estava diante de um contrato ou de um livro de física quântica?

A solução

A equipe jurídica que apoiava o novo empreendimento percebeu que precisava agir. Ela propôs converter os sete formatos de contrato em um único contrato em linguagem simples.

Os membros da equipe descreveram sua visão para os líderes do negócio de serviços digitais enfaticamente: se um aluno do ensino médio não consegue entender todo o contrato, o texto não é bom o suficiente. Mas o contrato também deve proteger os interesses da GE, disseram eles. A mudança sem as salvaguardas adequadas não era aceitável, mesmo se reduzisse o tempo de negociação.

Os líderes da unidade de negócios abraçaram a ideia sem hesitar. Na verdade, eles a adotaram com zelo, dedicando recursos ao projeto e deixando claro que consideravam vital a criação de um contrato fácil de entender.

Para começar, o pessoal jurídico organizou um dia inteiro fora da empresa com uma equipe formada especificamente para elaborar textos simples para os contratos: engenheiros e pessoal de vendas e suporte de produtos, bem como o próprio departamento jurídico. O objetivo era duplo: 1) uma equipe formada especificamente para elaborar textos simples para os contratos: serviços prestados e 2) identificar riscos operacionais. A equipe jurídica sabia que muitas vezes se supõe que determinadas passagens devem ser incluídas nos contratos, mas ninguém questiona se são realmente necessárias para os serviços cobertos. Então, para evitar texto desnecessário no novo contrato, a equipe recém-formada decidiu, deliberadamente, deixar a elaboração para outro dia.

O encontro offsite foi um sucesso: a chamada “equipe da linguagem clara” saiu com um insightperspicaz das contribuições e dos riscos operacionais associados. Em seguida, a equipe jurídica começou a elaborar o contrato, começando do zero. Sem modelos. Sem cláusulas de “amostra”. Sem uso de contratos existentes nem referência a eles. Simplesmente começamos a digitar em uma folha de papel em branco, focando apenas nos serviços cobertos e nos riscos que identificávamos. Ao longo do processo, aplicamos o nosso teste decisivo: um aluno de ensino médio conseguiria entender?

Desaprender a escrever como um advogado era mais difícil do que imaginávamos. Demorou mais de um mês para produzir o primeiro rascunho. A versão inicial tinha apenas cinco páginas — significativamente mais curta do que os contratos existentes. Mais importante era o fato de ser um documento claro e compreensível. Não continha um único “sem embargo”, “considerando que”, ou “retrocitado”. Não havia considerações introdutórias e jargões legais. Os conceitos legais que, historicamente, eram apresentados de forma complicada nos contratos foram explicados em termos leigos. As frases eram curtas e escritas na voz ativa. Eliminamos todas as definições. O rascunho inicial era, notadamente, diferente do padrão. Depois de lê-lo, uma advogada da GE Aviation comentou: “Está tão fácil de entender e escrito com tal clareza que chega a ser estranho”. Ela não foi a única a reagir assim. Todos os que leram — advogados ou não — ficaram surpresos com a simplicidade.

Depois, a equipe jurídica pediu ao escritório de advocacia externo Weil, Gotshal & Manges que avaliasse o contrato. A empresa reuniu uma equipe de advogados especializados em diversas áreas, incluindo contratação comercial, propriedade intelectual, litígio e mediação de conflitos. O exame demorou cerca de três semanas, e a Weil foi uma excelente parceira. Com o objetivo de garantir que o contrato final protegesse adequadamente os interesses da GE, a equipe da Weil desafiou sistematicamente nossa equipe jurídica interna.

A avaliação resultou em aperfeiçoamentos, mas a nova versão manteve-se fiel ao nosso compromisso com a linguagem clara. Em seguida, a equipe jurídica de serviços digitais revisou o contrato com vários outros advogados da GE que eram experientes em contratação comercial. Isso resultou em mais um rascunho. Mesmo assim, o compromisso com a linguagem clara não foi comprometido.

O resultado

Posteriormente, o contrato foi apresentado aos líderes da unidade de serviços digitais. Foi bem recebido, para dizer o mínimo. O chefe de vendas da época descreveu-o como “uma verdadeira mudança de paradigma nos contratos e na linguagem”. Foi mesmo.

Por exemplo, a cláusula de conformidade legal agora diz: “Durante o prazo do contrato, cumpriremos todas as nossas obrigações legais”. Uma frase composta de 11 palavras de fácil compreensão. A versão anterior dessa cláusula consistia em diferentes subseções, nove frases, 417 palavras e (acredite ou não) uma referência ao presidente dos Estados Unidos.

A cláusula de limitação de responsabilidade encolheu de 140 palavras ou mais em maiúsculas para apenas 66 palavras de texto comum. Agora, a cláusula de indenização — antes com mais de 150 palavras — consiste em uma frase de 41 palavras. A palavra “indenização” — ela mesma um termo juridiquês — nem sequer é empregada (ver quadros “Antes” e “Depois”).

Agora enfrentamos o teste mais importante. O novo contrato teria algum efeito sobre a duração das negociações? Os clientes — alguns dos quais usavam contratos complexos — aceitariam algo tão radicalmente diferente? Será que, em vez de diminuir, a aparência do novo contrato aumentaria o tempo de negociação?

Os resultados falam por si. A linguagem clara poupou quantidades significativas de tempo e dinheiro da unidade de serviços digitais da GE Aviation. E os clientes adoraram. Um cliente nos disse: “O contrato funcionou muito bem. Prefiro abordagens simples e contratos escritos de forma que eu possa entender”. Outro disse: “O acordo era perfeitamente razoável, como se vê pelo pequeno número de correções necessárias para chegarmos à fase de execução”.

Nick Brodribb, assessor jurídico da Qantas Airways, comentou: “Há muito tempo os advogados australianos lidam com contratos legais dos EUA abarrotados de redundâncias e linguagem pomposa. A iniciativa pelo inglês simples da GE e de outras empresas como a Airbnb nos dá grandes esperanças para o futuro. O inglês simples deve economizar tempo na linha de frente da transação, o que permite que a empresa se envolva com rapidez no projeto, gerencie-o com facilidade e, potencialmente, resolva conflitos mais cedo”.

Os contratos em linguagem clara começam a se espalhar na GE. A GE Healthcare lançou uma iniciativa para linguagem clara. A unidade de produção de aditivos da GE implementou seu primeiro contrato em linguagem clara em 2017, com resposta inicial do cliente positiva, e os conselheiros gerais e líderes empresariais da unidade estão empenhados em tornar a linguagem clara a abordagem padrão.

As lições

Espero que a nossa história o convença dos benefícios de mudar para a contratação em linguagem clara. Para os que decidirem aderir, seguem algumas lições importantes que aprendemos:

Seja paciente. A contratação complexa está conosco há centenas de anos. Não apresse o processo, pois não é fácil mudar hábitos antigos.

Fique esperto. Aprenda tudo o que puder sobre os produtos ou serviços que serão cobertos pelo contrato. Se as pessoas que vendem o produto ou serviço estão mais bem informadas do que você, aprenda com elas — e faça isso antes de começar o rascunho. Depois, deixe o produto ou serviço e os riscos associados determinar a substância do documento. O fato de determinada cláusula ser usada sempre nos contratos não significa que ela deva constar no seu.

Meça sua velocidade. Contratos de uma página ou com número reduzido de palavras são verdadeiramente atraentes. Mas isso não significa que número menor de páginas e palavras os torne necessariamente mais compreensíveis. O número de páginas e palavras tem de diminuir, mas a prioridade deve ser a velocidade. Se o tempo de negociação permanece o mesmo ou aumenta, ninguém vai ligar para o tamanho do acordo. Métricas de tempo de negociação obrigam os envolvidos a se concentrar no que realmente importa: a facilidade de compreensão. O teste do “aluno do ensino médio” se revelou inestimável para nós na busca desse objetivo. A ideia é tornar a experiência de contratação fácil para o seu cliente, porque, afinal, é o cliente que determina o sucesso.

Seja persistente. É difícil contestar o conceito de contratos em linguagem clara e seus benefícios. Em qualquer negócio é desejável adotar acordos legais fáceis de entender; gastar menos tempo negociando e mais tempo agradando o cliente; menos tempo administrando contratos e mais tempo inovando. Mas mudar, em qualquer empresa, é difícil, e mudanças radicais como essa são quase impossíveis. Criar um modelo sólido de contratos em linguagem clara consome tempo, imobiliza recursos e é um peso intelectual para a empresa, considerando os hábitos que se formaram ao longo dos anos. Sem uma boa dose de coragem e perseverança sua iniciativa de linguagem clara fracassará.

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