Entenda como criar um posicionamento de marca inspirado na essência e nos valores que fazem sua empresa ser o que ela é.
Navegar é preciso. Quando Fernando Pessoa escreveu essa frase, todos a interpretaram ao pé da letra: o gajo está nos dizendo para seguir em frente, seguir navegando. Mas, como todo bom poeta, Fernando Pessoa era sutil e nos sugeria algo mais profundo: quem navega precisa saber o que está fazendo, ter precisão. Claro que o Fernando usa neste verso a navegação como uma analogia ao viver.
Na comunicação, como na vida, a precisão é de vital importância. Mas como ser preciso sem um norte, sem uma meta?
Se o grande, se não o único, objetivo da comunicação corporativa é melhorar a percepção de valor da marca junto a seu público, antes precisamos definir esse valor.
O valor percebido de uma marca para seu cliente deriva de dois fatores:
- A estratégia de posicionamento da marca;
- A experiência de uso, que traduz na prática o posicionamento.
O segundo fator, experiência de uso, nada tem a ver com comunicação. Tem a ver com a boa execução dos processos que concretizam o posicionamento, como, por exemplo: inovação, preço, atendimento, flexibilidade, etc.
A ESTRATÉGIA DE POSICIONAMENTO É A BASE DE SUSTENTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO CORPORATIVA
Posicionar-se, trocando em miúdos, significa explicar para o mercado quais são os valores da marca que justificam comprar da gente e não de nosso concorrente. Ou, porque pagar mais caro por aquilo que oferecemos, em troca de uma performance melhor. E entenda-se performance de forma ampla, como tudo aquilo que um cliente ganha quando transaciona com nossa marca. O posicionamento, na verdade, é o último step de um trabalho de branding, que elabora um plano que evidencie os valores da marca para seu mercado.
Antes do posicionamento é preciso pensar na essência da sua marca.
A ESSÊNCIA É A ALMA DA MARCA, AQUILO QUE É IMUTÁVEL E NÃO DEPENDE DO MERCADO OU DOS CONCORRENTES.
A essência de uma marca é como a essência de uma pessoa, sua personalidade. A proposta de valor amarra os valores constantes da essência, de uma maneira racional. A proposta de valor não é tão estável quanto a essência, mas é muito mais que o posicionamento. E, finalmente, o posicionamento é a tradução da proposta para o mercado, escrita para ser convincente em função do posicionamento dos concorrentes. O posicionamento é dinâmico e pode ser alterado em função do contexto do mercado, mas sempre respeitando a essência e expressando claramente a proposta de valor.
Agora, passemos da teoria à prática. “Meu carro vale 10 mil, mas eu vou te vender por 8 mil”. Não, isso não é uma proposta de valor. A proposta de valor é um statement (declaração) que deveria justificar porque um cliente deveria comprar de sua empresa. Dar desconto é a alternativa daqueles que não sabem explicar o valor do negócio. Nada melhor que um exemplo para entendermos mais claramente.
A empresa escolhida em nosso exemplo é uma montadora, que se posicionou para vender carros híbridos de médio porte, para famílias. Como a empresa foi pioneira nesse segmento, ela consegue oferecer preços competitivos, para veículos híbridos com tecnologia de ponta e baixo custo de propriedade (consumo de energia + manutenção). Em itálico a proposta de valor que a marca quer passar para o mercado.
Essa montadora poderia expressar seu posicionamento com da seguinte forma:
“Somos pioneiros e líderes de mercado em carros híbridos para famílias, com ótima tecnologia (bateria mais durável e rápida de carregar) e baixos custos de manutenção.”
É um bom posicionamento, mas ele olha “para dentro”, focando apenas nos valores que a empresa quer passar. Ou seja, dá para melhorar.
Existe uma base conceitual para se construir um posicionamento atraente para o público. Comece por perguntar o que o mercado PRECISA. O posicionamento deveria endereçar algumas questões:
- QUEMsão nossos target buyers (público potencial consumidor)?
- QUAISde seus problemas e necessidades vamos resolver?
- POR QUEnossa empresa é a melhor alternativa?
A estrutura eficaz (partes e focos) poderia ser:
“Para aqueles que ……… (clientes alvo) necessitam de…. (alternativas correntes), nós oferecemos…… (objeto da inovação) que provê….. (capacidade de resolver problemas e necessidades detectados) e de forma única….. (diferenciais da inovação proposta)“.
Nesse modelo como ficaria o posicionamento de nossa montadora?
“Para aqueles que buscam um veículo para a família (clientes alvo), nós oferecemos a linha HIB-X, a primeira van para a família híbrida do mercado (objeto da inovação), que, além do preço atraente e do baixo custo de propriedade (capacidade de resolver problemas e necessidades detectados), oferece também a vantagem da bateria mais durável do mercado, com o menor tempo de recarga (diferenciais da inovação proposta).”
Fica mais atraente para o consumidor, não fica?
Vamos agora do exemplo teórico para um caso real. Recentemente, como mentor da Endeavor, auxiliei uma empresa scale-up a achar um posicionamento competitivo para seu negócio. A empresa, super técnica e focada em segurança da informação para entidades governamentais e grandes corporações privadas, pensava em apoiar seu posicionamento primordialmente no valor da “excelência técnica”.
Aí eu fiz uma reflexão com o CEO:
– Se você fizer da excelência técnica seu 1º valor, vai se nivelar por baixo (pelo preconceito com uma marca brasileira) em relação a seus competidores maiores e globais. Por outro lado, se sua marca se posicionar mais com base na exclusividade, na intimidade com o cliente, do que na a excelência técnica, a pegada de “problem solver” (resolvedor de problemas) em segurança da informação pode ser seu diferencial competitivo.
Isso resultou em um statement de posicionamento para o mercado completamente distinto:
“A Empresa X é um problem solver em segurança da informação. Nosso propósito é assegurar a nossos clientes um ambiente seguro para sua operação. Para isso, oferecemos soluções sob medida, na forma de projetos integrados com hardware, software e serviços, com tecnologia de ponta a preços competitivos. Seja por razões de compliance, ou aversão a riscos, somos seu parceiro de confiança, sempre próximo e disponível para garantir a segurança e a continuidade de seu negócio.”
Atenção para os negritos, que são os valores que queremos destacar!
O exemplo de posicionamento acima se foca nas dores críticas dos clientes-alvo, destacando as diferenças de valor proporcionados pela Empresa X em relação a seus concorrentes. Mas, tudo isso tem que ser feito de forma sutil, de forma implícita, não explicita.
No seu caso, suponhamos que sua empresa tenha o desafio de construir um posicionamento competitivo. Por onde você pode começar?
- Comece refletindo sobre a essência da sua marca e listando seus principais atributos;
- Continue com a criação da proposta de valor e teste-a com seu público interno. Se seus colaboradores não entenderem o diferencial competitivo, volte para a prancheta e pense de novo;
- Depois, tendo construído uma PV competitiva, refine o statement, traduzindo-o num texto de posicionamento que explicite claramente os valores de sua marca para o consumidor;
- Daí para frente, esse posicionamento deve se tornar uma referência para todo e qualquer tipo de comunicação que você faça com seu público.
E lembre-se dos dois erros mais comuns cometidos na construção desse posicionamento:
- Achar que apenas inovação diferencia nosso negócio. Existem outros valores que, dependendo do perfil do cliente, também são valorizados: custo, acessibilidade (viabilização), serviços agregados, segurança (passada pela marca) etc.
- Olhar apenas para dentro (o que temos para oferecer), sem entender quais são as necessidades do público e o que ele valoriza na hora da aquisição.
Quem já cruzou uma via férrea deve ter reparado no aviso padrão ao lado da cancela: Pare, Olhe e Escute. Pois é, essa mesma recomendação se aplica totalmente ao processo de construção de uma boa proposta de valor e um posicionamento eficaz para nosso negócio
Autor: Augusto Pinto