Um estudo recente analisa o processo de tomada de decisão “emocionalmente inteligente”. De autoria de Stéphane Côté, professor de comportamento organizacional e gestão de pessoas da Rotman School of Management, a análise abarca a relação entre as decisões e os três aspectos mais importantes da inteligência emocional: a empatia (capacidade de entender como as outras pessoas se sentem), a compreensão emocional (que possibilita identificar as razões das próprias emoções, assim como as das alheias) e a regulação das emoções (saber lidar com o estresse, evitar sentimentos indesejados e estimular as emoções adequadas).
Para a tomada de decisão, o aspecto da compreensão das emoções é particularmente importante, como descobriu Côté. Nesta reportagem da revista Rotman Management, organizada na forma de perguntas e respostas, é possível entender isso mais amplamente.
Qual a relação entre inteligência emocional e decisões no ambiente de trabalho?
A compreensão das emoções é o aspecto mais relevante quando se trata de tomar boas decisões, pois indica se as pessoas tendem a ser presas fáceis de “emoções incidentais”, que não têm relação com a decisão que está sobre a mesa.
No processo de tomada de decisão, podemos ter dois tipos de emoções: as incidentais e as integrais. As emoções incidentais são aquelas que levamos para dentro do processo mesmo que não tenham nenhuma relação com a decisão – por exemplo, a maneira como você se sente porque pegou muito trânsito até o trabalho ou porque discutiu com seu companheiro ou companheira antes de sair de casa. No entanto, embora sejam externas, as emoções incidentais acabam fazendo parte do cenário decisório e são vivenciadas durante o processo.
Estudos mostram que temos a tendência de permitir que as emoções incidentais influenciem até mesmo as definições que dizem respeito aos investimentos que fazemos. Por quê?
Porque essas emoções nos colocam em determinado estado mental e, quando estamos diante da necessidade de decidir, muitas vezes fica difícil separá-las do que de fato pensamos e sentimos sobre o assunto em questão.
A pergunta que nos fizemos foi: a inteligência emocional, e a capacidade de compreensão das emoções em particular, evita que quem está tomando a decisão seja afetado por emoções incidentais?
Em contrapartida, as emoções integrais são geradas pela decisão propriamente dita. Surgem, por exemplo, quando pensamos sobre os parâmetros da decisão ou suas consequências. E essas emoções podem ser bastante úteis.
Se pensar sobre uma decisão lhe causa ansiedade, essa é uma informação útil: pode ser um sinal de que você precisa ser cuidadoso e que, provavelmente, é mais avesso ao risco.
Como desenvolver a capacidade de compreender as emoções?
Por meio de múltiplos processos. A infância é um período muito importante para que se adquira essa capacidade, por exemplo. Evidências robustas indicam que os pais desempenham papel central na definição de quem é bom em entender de onde vêm as próprias emoções e também as das outras pessoas.
Durante a infância, faz muita diferença se os pais usam uma linguagem emocional com seus filhos – palavras como “feliz”, “zangado” e “triste” – e se falam sobre as fontes dessas emoções. Os pais devem, por exemplo, mostrar por que a criança está ansiosa ou com raiva, relacionando os sentimentos com fatos concretos. Mais tarde na vida, essa criança será capaz de identificar a causa de suas emoções.
Outra fonte pode ser o conhecimento da psicologia. À medida que as pessoas estudam psicologia, podem se tornar mais propensas a desenvolver um conjunto de ferramentas úteis para identificar emoções e suas causas.
É possível reduzir os efeitos das emoções incidentais nas decisões?
Queríamos fazer um teste robusto e, assim, escolhemos um dos efeitos mais consistentes das emoções incidentais sobre as decisões: a ansiedade. Muitos estudos revelam que se sentir ansioso com a vida pessoal afeta quanto alguém está disposto a assumir riscos em sua vida profissional. Isso porque ansiedade é um sinal de que há um perigo potencial e que, portanto, deve-se tomar cuidado.
E por que a ansiedade com as coisas pessoais afeta as decisões no trabalho? Ela influencia nosso modo de pensar sobre algo que não tem a ver com aquilo e transforma tudo em perigo, reduzindo nossa disposição de correr riscos.
Como se avalia a capacidade de compreender as emoções?
Um dos mitos sobre a inteligência emocional é a ideia de que é possível medi-la perguntando às pessoas se são boas em lidar com emoções. Acontece que as pessoas são vieses naturais que dificultam tal avaliação.
Assim, o que fizemos foi aplicar um teste semelhante ao de QI. Foram apresentados aos participantes cenários em que pessoas experimentavam certas emoções, e eles tinham de decidir, por meio de questões de múltipla escolha, qual evento teria maior chance de causar determinadas respostas emocionais. Desse modo, conseguimos, de fato, testar se os participantes conheciam as causas das várias emoções.
Para selecionar os cenários, os autores do teste utilizaram pesquisas que relacionam eventos diversos com respostas emocionais diferentes. Por exemplo, a raiva tende a ser uma reação a um tratamento injusto; a ansiedade costuma estar associada à incerteza e a qualquer coisa que esteja fora do controle; e a tristeza normalmente tem a ver com perdas.
E quais são as consequências práticas dessas descobertas? É possível reduzir os efeitos das emoções incidentais nas decisões?
Sim. Em especial quando estão diante de decisões muito importantes, as pessoas podem agir a fim de não permitir que as emoções incidentais as influenciem.
O primeiro passo é identificar como você está se sentindo. Em seguida, descobrir por quê. Se está se sentindo ansioso, qual a razão disso? Será que é porque está preocupado com a decisão em si ou por outro motivo, como a apresentação de seu filho na escola no dia seguinte?
Se você determinar que está vivenciando uma emoção integral, isto é, baseada no próprio processo de tomada de decisão, então pode passar para o terceiro passo: pensar sobre o que a emoção significa no que diz respeito à decisão que está colocada.
No entanto, se perceber que a ansiedade não é causada pela decisão, ou seja, que é incidental, então pode tentar lançar mão de estratégias para mitigar o problema. Somente o fato de ter consciência de que está ansioso e de que isso não tem relação alguma com a resolução em si já pode ajudá-lo a separar mentalmente a ansiedade da decisão.
Você também pode utilizar algumas estratégias de regulação. Por exemplo: encontre uma forma de se distrair dos problemas domésticos quando está lidando com uma questão muito importante no trabalho ou tente enxergar o motivo da ansiedade de uma perspectiva mais positiva.
Em resumo, deixar a ansiedade incidental solta o torna muito avesso ao risco – algo que acontece com frequência – e, então, você vai perder muitas oportunidades na vida. Portanto, é importante bloquear a influência das emoções que não têm relação direta com as decisões a serem tomadas. Apenas fontes relevantes de emoções devem influenciar as deliberações.
Qual o desdobramento disso?
Estou interessado em todas as formas pelas quais a inteligência emocional pode contribuir para que sejamos bem-sucedidos na vida. Como ela pode nos ajudar a alcançar nossos objetivos? A aproveitar as oportunidades no ambiente de trabalho? A superar desafios, como situações altamente estressantes?
Se é verdade que a capacidade de compreender as emoções é útil para o processo de tomada de decisão – e é, porque nos informa se o que estamos sentindo é relevante para a definição a ser feita –, o próximo passo é determinar que tipo de habilidades de regulação são as mais valiosas para evitar aquilo que não diz respeito ao cenário decisório.
Quando identificamos uma emoção incidental, o que devemos fazer para eliminar seus efeitos? É na resposta a essa pergunta que vou trabalhar a partir de agora.
Autor: Stéphane Côté
Publicação: Revista HSM Management