Esta história se repete inúmeras vezes: as organizações falham em nomear os líderes certos. Estudos acadêmicos mostram que o nível de eficiência entre líderes empresariais é de meros 30%, ao passo que, na política, os índices de aprovação oscilam entre 25% e 40%. Nos Estados Unidos, 75% dos funcionários afirmam que seu superior imediato constitui a pior parte de seu trabalho, enquanto 65% aceitariam de bom grado um corte de salário, contanto que pudessem substituir seu chefe por um melhor. Um relatório recente da empresa de consultoria McKinsey & Company aponta que menos de 30% das organizações conseguem encontrar os profissionais certos para cargos C-level e que os executivos recém-nomeados demoram demais a se adaptar.
Embora muitas sejam as razões para essa situação desoladora — entre elas a confiança excessiva na intuição em detrimento de ferramentas de seleção cientificamente válidas —, um problema comum é a incapacidade das organizações de prever se os líderes se adequarão à sua cultura. Mesmo quando são capazes de avaliar corretamente os talentos de seus líderes (habilidades, expertise e capacidade geral de liderança, por exemplo), as organizações se esquecem de que um dos elementos essenciais da liderança eficiente é a conformidade de valores entre líderes e organização, aí incluídas as equipes desses líderes. A consequência é um excesso de líderes contratados (corretamente) com base em seu talento, mas demitidos, na sequência, por falta de adequação à cultura organizacional.
A nosso ver, há três erros cruciais que as organizações devem corrigir a fim de aprimorar seu processo seletivo. São eles:
Decifrar as motivações e os valores de seus líderes: Embora expertise e experiência sejam elementos centrais para o potencial de um líder, são todavia insuficientes para prever seu desempenho. Com efeito, mesmo traços genéricos de personalidade, tais como integridade, habilidades interpessoais, curiosidade e autoconhecimento, não bastarão para prever sua adequação ao cargo ou à organização. Um entendimento correto do conceito de adequação deve levar em conta as motivações e os valores de um líder, também conhecidos como o “interior” da personalidade. As motivações e os valores operam como uma bússola interna, que determina aquilo que os líderes prezam e recompensam, o tipo de cultura e clima que se esforçam por criar em suas equipes, e as atividades que consideram significativas e gratificantes.
Líderes que valorizam a tradição, por exemplo, terão um forte senso de certo e errado, favorecerão organizações hierárquicas e mostrarão pouca tolerância à ruptura e à inovação — coloque-os num ambiente criativo e eles enfrentarão dificuldades. Por outro lado, líderes que valorizam a parceria sentirão um grande desejo de se relacionar bem com os demais, darão ênfase à construção e manutenção de fortes laços interpessoais e ao trabalho colaborativo. Isso significa que não se sentirão envolvidos se seu cargo for isolado demais e a cultura da empresa for excessivamente individualista. Por fim, líderes altruístas se empenharão em melhorar a vida alheia e levar progresso ao mundo, e, portanto, encontrarão adversidades em organizações puramente movidas por lucro e desinteressadas em causar impacto social positivo.
Compreender sua própria cultura organizacional: De nada vale conhecer as motivações e os valores de seus líderes, se as organizações não conseguirem decifrar sua própria cultura. Infelizmente, a maioria delas subestima a importância de traçar seu perfil cultural com exatidão, acabando, assim, por apoiar-se em ideias de natureza intuitiva e pouco realista que dizem mais acerca do que elas gostariam de ser do que sobre o que realmente são. É por isso que, atualmente, muitas empresas se descrevem como “empreendedoras”, “inovadoras”, “centradas em resultados” ou “pluralistas”, ainda que seus próprios funcionários enxerguem um tipo muito diferente de cultura. Pesquisas de clima organizacional bem elaboradas, que usem crowdsourcing para coletar opiniões e experiências acerca da cultura de uma organização, constituem um indicador muito mais seguro dos verdadeiros valores de uma empresa do que as pretensiosas competências selecionadas por executivos seniores.
Ser realista acerca da capacidade do novo líder para efetivamente mudar a cultura: Embora sejam os líderes seniores os principais modeladores da cultura organizacional, líderes recém-nomeados têm dificuldade em remodelar a cultura existente. Isso não quer dizer que as organizações devam desistir e contratar apenas líderes que se encaixem bem no perfil do cargo. Na verdade, líderes cujos perfis destoem moderadamente do que é esperado para o cargo, mas que sejam carismáticos e visionários, são a melhor aposta de uma empresa para efetuar mudanças do topo para a base — porém o processo será lento e tedioso, e esses líderes precisarão contar com uma boa dose de apoio a fim de perseverar e ter êxito. As chances de sucesso serão pequenas e é possível que alguns desses líderes sejam tão radicais em suas intenções, que acabem por causar prejuízo ao moral e à produtividade — ou até a si mesmos. Como disse Sartre, “apenas o rapaz que não está remando tem tempo de balançar o barco”.
Há, obviamente, líderes capazes de bom desempenho em praticamente qualquer contexto. Conseguem exercer uma gama de competências diversas, o que os torna mais adaptáveis e versáteis, como mostra a convincente pesquisa de Rob Kaiser — contudo, eles são antes a exceção do que a regra. Em contraste, para a maioria das pessoas, o potencial de liderança dependerá, em certa medida, do contexto, de modo que não há garantias de que alguém liderará com eficiência apenas por ter sido eficiente em um cargo ou uma organização anterior. O desempenho passado é um bom indicador de desempenho futuro apenas quando o contexto permanece o mesmo. Caso contrário, o foco deve recair mais sobre o potencial e o futuro do que sobre o desempenho e o passado.
Autores: Tomas Chamorro-Premuzic e Clarke Murphy
(Harvard Business Review – Brasil)